Ainda o sol não tinha nascido e Rita, de mochila às costas, preparava-se para mais um longo dia. Na verdade, esses longos dias começavam a fazer parte da sua rotina. Sai de casa e, enquanto caminha, vai inalando aquele ar de doce manhã ainda adormecida que a faz sentir, por momentos, menina. Não pára de caminhar. O tempo não o permite e, o terrível frio que se faz sentir obriga-a a caminhar sem parar enquanto que o vento gelado lhe vai cortando o rosto, deixando as suas faces brancas levemente rosadas. Chega, por fim, à paragem onde, desgraçadamente, ainda a fazem esperar. Treme. Põe as mãos nos bolsos e, inevitavelmente, pensa no dia que lhe espera.
Na camioneta senta-se confortavelmente até que alguém descaradamente, e sem alternativa, se senta a seu lado. É um daqueles homens de olhar duvidoso, barrigudo, que adormece cuja postura é de incomodar. Fora o que se senta a seu lado o resto das pessoas, tipicamente provincianas, vão falando umas com as outras - sem se conhecerem - dos vizinhos; do senhor da padaria que anda enrolado com a menina de quinze anos, filha da Maria Augusta, que já está reformada e que nunca se encontra em casa. Tentando ignorar o cenário que a rodeia fecha os olhos e pensa em algo que a faça feliz. É difícil. Ultimamente não há nada que a faça feliz. As lágrimas vão caindo lentamente pelo seu rosto. Não faz mal. Àquela hora ninguém repara. As lágrimas continuam, então, a escorrer, sempre com grande lentidão, até porque cada lágrima é um sonho que acaba de ver interrompido.
Lá fora, o dia começa a nascer. Pela janela começa a ver que o azul escuro, quase preto, de manhã preguiçosa começa a dar lugar a um dia de cores claras, indefinidas. Um dia triste.
Chega finalmente à capital. E, após ter que andar em mais uma meia dúzia de transportes, chega ao seu destino. O seu olhar vivaz logo pela manhã incomoda aqueles que, de mau humor, vão criticando o facto de o dia ter que começar tão cedo. E, enquanto eles se queixam, Rita pensa no quão eles são privilegiados.
Na escola, enquanto não se houve o toque de entrada, Rita retira da mochila o pequeno livro de poesia que acompanha diariamente. Abre-o, ao acaso. Lê os dois primeiros versos e fecha, de repente, o livro. Coloca-o na mala e, de passos apreçados, movimenta-se na direcção do portão, que separa o mundo onde dedica tanto tempo e o mundo exterior, que pouco conhece.
_ Rita! Onde vais? Espera… - Grita Isabel.
_ Não sei… Vou para longe!
Quero fugir desta rotina que me sufoca e que, aos poucos, me vai envenenando por completo. – Responde Rita, enfurecida.
_ Espera, Rita, por favor! Não faças nada que te possas vir arrepender.
_ Já me arrependi da vida que tenho e nada pode ser pior que isso.
Adoro-te, Isabel. Mas a Rita, tua amiga, morre aqui.
Talvez seja a forma mais cobarde de resolver os problemas que a atormentam. Mas, na altura em que precisava de mais carinho; na altura em que precisava de se sentir amada, foi a altura em que aqueles amigos , sem se apercebendo da situação, a deixaram completamente desamparada.
Rita parte para longe. E se será feliz ou não, não sabe. Mas tem a certeza de que os problemas que poderá vir a ter nunca mais serão os mesmos...