sábado, abril 29, 2006

Silêncio



Adormecer e tentar encontrar-te cá dentro. Acreditar que talvez em sonhos tu me possas pertencer e, assim, devolveres-me a vida que, por ti, perdi. Mas a obsessão enlouquece-me e ter-te já não é uma questão de amor, mas sim de sobrevivência. O peso da ilusão é brutal e traz-me diariamente uma dor que me vai consumindo de tal forma que chego a deixar de sentir. Emudeço por completo, para sempre e, sem vontade de me erguer, deixo-me cair num abismo que só a mim me pertence. Deixo, então, que o tempo passe por mim, em troca de poder dormir perpetuamente. Sem dor. Sem o som da tua voz que me mata e me prende incessantemente a ti.

No dia em que o meu silêncio se quebrar será para dizer: Amo-te!

segunda-feira, abril 24, 2006

Falas-me como se a tua vida estivesse perto do fim.
A tua voz, cheia de sobressaltos, mostra-me como a tua dor é sincera e cruel. Os dias vão passando e eu sinto a morte cada vez mais perto. És tu que me fazes crer que ela existe e que, a qualquer momento, te pode invadir de tal forma que não possas resistir.
Também não sei se tu podes ou queres resistir.
Sei que se há amor incondicional é o teu, mas também sei que se há quem não saiba amar, tu és o exemplo disso. Agora acredito que darias a vida por mim; agora sei que, bem ou mal, me amas acima de tudo. Mas agora é tarde e tu, sabendo disso, dizes que me amas a cada minuto que passa. E como choras tão facilmente, como és transparente nos teus sentimentos. Agora e só agora. E eu sofro tanto, tanto com isso. Sentir que te estou a perder para sempre. Ah, e como para sempre é tanto tempo.
Por vezes, necessitaríamos de uma segunda vida para dizermos aquilo que nunca conseguimos dizer; para fazer aquilo que jamais tivemos coragem em fazer; para dar valor àquilo que realmente merece ser valorizado; para amar quem merece ser amado e para não fazer sofrer quem não merece tal dor... Mas, ao que parece, só se magoa quem se ama. E agora, sem me poderes ver, digo-te que as lágrimas deslizam sobre o meu rosto e estas são as piores lágrimas que algum dia poderia deixar cair, porque só sabemos que a morte realmente existe quando bate à porta de quem amamos verdadeiramente e de quem nos é totalmente insubstituível. E, embora por vezes na ausência, foste és(!) Pai que eu não quero e sei que nunca vou perder...

{porque há amores que nem a morte os apagará!}

quarta-feira, abril 19, 2006

Enganos

Trocaria todas as tuas palavras pelo teu olhar; daria a minha alma para saber porque tanto insistes em esconder a tua vida; renegaria o passado, as lembranças e os sorrisos de criança para me refugiar num presente a teu lado. Mas tu pareces interessado neste jogo de mistérios, tão angustiante para mim e tão excitante para ti. Não percebo esse desperdício de palavras que, ditas por ti, são em vão. E eu aqui, sempre aqui, aguentando as tuas fugas e acreditando em todas as tuas justificações. Sabes porquê? Porque me rendi e acabei por me apaixonar por ti. Foi inútil esta tentativa de criar uma barreira capaz de me defender de ti; foi inútil este crer acreditar que nunca mais me iria apaixonar: porque quem ama sofre e eu não queria voltar a sofrer. E foi por mal me amares que caí na teia de quem me soube levar... Aquele ‘alguém’ em quem se acredita e em quem nos deixamos consolar, porque nos sentimos tão sós, porque nos sentimos tão despidos de amor e tão cheios de vazio.

De dia o sol consegue encher-me a vontade de viver, mas à noite acabo sempre rendida nos braços de quem me promete amar, mesmo que eu, ao me entregar, te veja incorporado em mim. Mas, a verdade, é que tu não estás e, assim, sou vencida por quem sabe como me dominar.

sábado, abril 15, 2006

Renascer, sem ti

Caço lágrimas
caço-as por dentro;
Mato desilusões
mato-as sem medo

E em cada verso
dou tudo de mim
esquecendo-me, por momentos,
tudo o que há em ti

Entrego-me, devagar,
a quem me queira amar
Entrego-me, assim,
para voltar a voar

E vagueando dentro de mim
procuro o que em tempos perdi
e escutando o som da minha voz
renasço para viver desta vez sem ti

terça-feira, abril 11, 2006

Eu

Onde estarei?
Perdi-me em tempos
e ainda não me encontrei

O olhar,
sem fundo, sem cor, sem jeito,
foi-me talentosamente roubado
no dia em que te deitaste no meu peito

As muralhas de protecção
foram quebradas quando tu,
sábio e maldito,
pegaste na minha mão

E o corpo de Cinderela,
os cabelos de princesa
e o meu doce coração?
Onde estão?

Tudo se esmoreceu e,
sem perdão,
me castigo por te ter conhecido
e, assim, ter perdido para sempre
o melhor que havia comigo: o meu Eu

sábado, abril 08, 2006

Lágrimas

_ Amo-te!

Foi a última palavra que disse a Sofia antes de abandonar. Ela, feliz, respondera-lhe somente com um beijo e, como se enfeitiçados, acabaram por adormecer, os dois, no mesmo leito.
Assim que o dia nasceu, Sofia, de olhar reluzente, ia acordando lentamente e procurando o corpo daquele que a tinha feito tão feliz na noite anterior. Mas, naquela cama grande e cheia de segredos, encontrara-se só. Ainda olhou em volta, na tentativa de o ver, mas ele não estava. Telefonou-lhe, mas ele não atendeu. E, no meio de tantas juras de amor, ele tinha, de vez, desaparecido da sua vida. Ela, engolindo em seco, pensou que já não era a primeira vez que ele lhe prometia amor eterno e, em seguida, a deixava completamente só, sem qualquer notícia e, dias, semanas ou até meses depois, ele voltava. Assim, terrivelmente apaixonada, acreditava que Guilherme voltaria, uma vez mais, até si. Mas, protegendo-se em esperanças, os anos foram passando e Guilherme nunca mais voltou. Aos poucos, Sofia, ia tornando-se numa mulher sem vontade de amar e, aparentemente, com uma grande vontade de sofrer.

Sabe-se que Sofia continua viva, mas o final desta história só ela saberá...

quinta-feira, abril 06, 2006

Beco




1980                                       1992

Beco

Era de noite, lembro-me bem
Como se fosse agora e aqui
O frio cortava como navalha
E a malta muda e sem se mexer
Como as pedras da calçada
Tinhamos vindo ainda há pouco
Da casa do João na avenida
Tudo bem alto, ninguém sonhava então
Que ia entrar num beco sem saída

Ele era meu amigo desde os dias de escola
Gostava de brincar comigo aos índios e aos cowboys
E eu sonhava poder vir a ser a sua companheira
Mas o meu herói quis outra heroína
O meu herói quis outra heroína

Estava deitado sobre o meu colo
Como Jesus ao colo de Maria
Fechou os olhos e eu tive medo
De o perder naquela noite fria
A morte veio, e sem dizer nada
Ele partiu com ela na montada
E eu fiquei rouca de gritar por dentro
Mas já de nada serviu o lamento

Ele era tão bonito e tocava viola
No grupo lá do bairro que ensaiava na garagem do Zé
A gente costumava ir juntos ver o sol nascer na praia
Mas o meu herói quis outra heroína
O meu herói quis outra heroína


(Letra e música de Luís Pedro Fonseca)
Lena d'Água, Terra Prometida, 1986

segunda-feira, abril 03, 2006

Tédio

Uso tons claros e harmoniosos para ver se, assim, as minhas palavras tendem em ressuscitar. Mas não resulta. As palavras, ditas ou escritas, teimam em não me agradar. E, por isso, temo em utilizá-las.
Têm sido tão cruéis!
Reservo-me na linguagem para não ter que, por algum motivo, me desculpar. Na escrita só me resta a dor de uma solidão que nem as palavras se querem sujeitar. Sendo assim, abandonam-me de vez e partem para o coração de quem sabe o que quer escrever, porque sabe aquilo que, embora timidamente, quer dizer.
Sem jeito, faço transparecer um sorriso na ilusão de poder voltar a manobrar todo aquele vocábulo que me enchia a alma por ser, sem eu querer, um espelho do meu ser.