Faltavam poucas horas para a noite de Natal. A casa estava cheia. As crianças estavam excitadíssimas, andavam numa grande correria, de trás para a frente com um sorriso malandro, um sorriso de quem tinha descoberto mais um presente. Estavam tão felizes... na verdade, toda a gente estava feliz. Naquele dia havia o chamado calor humano.
Queria sair, discretamente. Fui ao quarto dos miúdos, e estes brincavam. Na sala outros viam televisão ao mesmo tempo que outros conversavam; na cozinha lá estavam “elas” acabar todos os preparativos. Queria sair, precisava de arejar, e sentir o verdadeiro Natal... sozinha. Porém, aproveitava para comprar mais umas prendinhas, para mim também.
O João estava lindo, como sempre. Dei-lhe um beijo nos lábios e baixinho disse-lhe que iria sair, mas que já vinha.
Fechei, muito cuidadosamente, a porta. Pé ante pé, de olhar observador, lá ia eu: caminhando por aquelas ruas abaixo. As ruas estavam perfeitas e, ao contrário do que imaginava, estavam invadidas de pessoas. Senti-me um pouco perdida e, de repente, no meio daquela multidão, sai uma criança que vem ao meu encontro, salta para o meu colo e abraça-me. Foi um abraço tão forte, que fez com que uma lágrima caísse sobre o meu rosto. Arrepiei-me. O abraço foi longo, e, embora nunca a tivesse visto, foi um abraço sentido como se a conhecesse desde sempre. Lentamente separamo-nos. Ela agarrou-me nas mãos e pediu-me para ser sua mãe. Sem palavras, sorri, apenas. E, mais uma vez, abraçamo-nos.
Peguei na sua mãozinha, tão delicada, e caminhei com ela. Andámos por aquelas ruas, entrámos e saímos das lojas, saboreámos um delicioso gelado... e rimo-nos bastante. Chamava-se, a pequenita, Leonor. Tinha, apenas, três anos e um sorriso de encantar qualquer um. Os seus olhos eram castanhos, de uma doçura enorme. Os seus pais tinham morrido num acidente de viação, onde só a pequenita Leonor tinha sobrevivido. Como o amor dos seus pais era um amor proibido ninguém quis a criança. Eu adorava ser mãe, e, agora, aos vinte anos, tinha encontrado a filha perfeita.
As horas tinham passado a correr e eu nem me tinha dado conta. Fomos, as duas, para casa.
A Leonor estava receosa, tremia um bocadinho. Dei-lhe um beijo, para se acalmar. Entrámos, e ninguém deu pela nossa chegada. Como eu queria, uma saída, e agora, uma entrada perfeita, com a máxima das descrições. Levei-a para o quarto, os miúdos continuavam a brincar e sem que me desse conta lá estava a Leonor a brincar com eles, também. Sorri.
Estava tão feliz que me tinha esquecido, por momentos, do João. O João adorava crianças e um dia confessou-me: “ Sonho em ter uma casa enorme, só nossa. Sentir a felicidade dia a pós dia. Entrar naquela casa onde se respira vida, onde tudo é perfeito. Chegar de um dia cansado e de poder sorrir por ver os nossos muitos filhos a correr pela casa, felizes. Sonho em olhar para o teu rosto, de o ver todos os dias; sonho em morrer bem velhinho... junto de ti.” Impossível esquecer todas estas palavras. E hoje, mais que nunca, lembrei-me delas.
Tinha a certeza que ele iria adorar a Leonor, e que quereria ser seu pai. Mas, mesmo assim, tinha um pouco de receio.
O João, levantou-se do sofá, olhou-me nos olhos e apercebeu-se que estava preocupada. Peguei-lhe na mão e levei-o para o quarto, apontei para a Leonor, esta vendo-nos de mãos dadas correu para o João e de sorriso no rosto disse espontaneamente “és tu que vais ser o meu pai?”. Corei e fiquei sem saber o que dizer. Sem dar tempo para que alguém respondesse lá foi ela, de novo, brincar.
A reacção do João foi melhor do que esperava, hoje, sentia-se mais feliz do que nunca. Mas as novidades não acabavam por aqui.
Após termos convencidos os mais pequenos a deixarem, por momentos, a brincadeira e irem jantar, juntamo-nos todos. Sentaram-se todos, eu e o João mantivemo-nos em pé e demos a belíssima notícia de que iria passar a haver mais um membro na família. Após a apresentação da Leonor como sendo nossa filha, sentei-me. O João deixou-se ficar em pé. Estranhei. Do bolso tirou uma linda caixinha azul escura, perante a família toda pediu-me em casamento. Corei imenso, acho até que nunca na vida tinha corado tanto mas a verdade, também, é que nunca tinha sido tão feliz na minha vida. As crianças riam imenso, achando que aquilo tudo era brincadeira. Agora, mais uma vez, era minha altura de surpreender tudo e todos. Levantei-me. De sorriso e olhar cúmplice comecei o meu discurso. Comecei por dizer o quão me sentia única , por ter a Leonor junto de mim, o quão me sentia nas nuvens pelo pedido de casamento, do João. E, o quão me sentia completa por estar grávida. Foi rápido o discurso, até porque nunca tive muito jeito para isso. Para além das crianças que continuavam com risinhos próprios da idade, as pessoas à minha volta, aquelas que eu tanto amava, amigos, familiares... ficaram comovidos, eufóricos com todas as notícias e simplesmente deslumbrados com tudo. Afinal, a minha felicidade era a deles.
Tirámos imensas fotografias e, a última, ficou linda. Eu e o bebé que tinha dentro de mim, a Leonor, no meio, e o João ao seu lado. Um quadro perfeito.
Meia noite e tudo acabou. A alegria do convívio tinha chegado ao fim, agora, a alegria era outra, era aquela de saber se o Pai-Natal tinha realmente trazido os presentes que eles – os mais novos – tinham pedido nas suas ingénuas e enormes cartas.
Este, este era sem dúvida o melhor Natal de sempre.
E, e o começo de uma nova vida...